domingo, 17 de outubro de 2010

Episódio 1 - O Jovem Marginal

Bem vindos ao primeiro episódio da história, como todas as histórias de ficção e fantasia, começaremos com o Era Uma Vez... Era uma vez um menino de 13 anos, muito curioso e cheio de si que um dia fez uma bobagem grande demais e isso mudou todo o rumo de sua vida...





IZOLDA
EPISÓDIO 1
O JOVEM MARGINAL



Era sábado, 22:47hs, quando a viatura policial parou na esquina da rua Ambrose Bierce com Stanislaw Ponte Preta e foi logo abordando uma turma de jovens com idade entre 13 a 16 anos que fumavam e riam na calçada. O local era aos fundos do Colégio Estadual Dom Helder Câmara, onde o grupo estudava de manhã. Mesmo com os cochichos de “apaga-apaga” já era tarde demais, três guardas desceram da viatura e cercaram os jovens.

_ Muito bem garotada, todo mundo encostado no muro! Mãos na parede, pernas afastadas!

Enquanto um guarda revistava os meninos o outro olhava em volta e localizava as guimbas apagadas as pressas e atiradas no chão. Algumas estavam meio cobertas de terra como se tivessem tentado esconder a prova do crime, mas eram mesmo cigarros. Tenente Pereira, velho conhecido naquela região, olhou para os garotos um a um. Alguns ele conhecia bem porque freqüentava a mesma igreja dos responsáveis.

_ Bem, bem, bem... Aqui temos alguns velhos conhecidos, não é? Marcelinho, Izac, Tomás... Asmodeus... - este último ele fez questão de dizer o nome mais forte, pois sabia que era o mais velho e o líder do grupo. - Não vou perder meu tempo falando que vocês são menores de idade, fumar para vocês é crime e faz mal para a saúde porque vejo que não adianta. – disse cruzando os braços. – Também não vou levar todos vocês para o juizado de menores porque conheço seus pais e sei o quanto são trabalhadores.

_ Valeu Pereira! – gritou Izac encostado no muro.

_ Cale a boca, imbecil! – berrou o tenente. – Eu não disse que vocês iriam ficar sem punição alguma.

_ Viu Asmodeus, a culpa é sua! – reclamou um dos meninos.

_ Já disse para calar a boca! – bradou novamente o oficial. – Escutem bem, sei muito bem o que vocês aprontam, hoje estão fumando e amanhã estão aqui pichando o muro da escola, pensam que não sei quem é o autor destas obras de arte? Acho que está na hora de vocês trabalharem um pouco e pintar estes muros.

_ Ah não, Pereira! – reclamou Marcelinho. – Eu não vou pintar nada não!

_ Vai sim! Hoje mesmo vou falar com os pais de vocês e veremos se eles não vão concordar comigo!

_ Olha Pereira... – tomou a palavra Tomás. – De acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente isso é uma infração a lei e um abuso de poder, assim sendo...

Pereira respondeu o menino com um tremendo cascudo. Um deles começou a rir e foi logo repreendido.

_ Quieto! Nada de risos, nada de reclamação e de choro! – em seguida tomou o braço do jovem advogado e olhou bem dentro dos olhos deles. – Escuta aqui, ô moleque. Saiba nesta vida só existe uma lei: Em casa, manda quem paga suas contas e na rua quem manda sou eu. - em seguida os dois guardas puxaram os garotos e os colocaram em fila. - Agora andem, vamos fazer uma visita à mãe de vocês. Uma por uma!

Reclamando e xingando os garotos acompanharam os policiais e foram logo parar na cada de cada um dos pais. Dona Maria, mãe de Izac, ao saber do cigarro foi logo dando um tapão na boca do menino e um belo cascudo, completando: “Sorte o seu pai estar de turno hoje, sorte sua.” A mãe de Asmodeus apenas chorou repetindo: “Não sei mais o que fazer com este menino, meu Deus.” O único resultado igual para todos é que passaram o domingo pintando os muros da escola, sempre sob a supervisão de um adulto.

Jardim das Goiabeiras era um bairro pequeno e a comunidade sempre apoiava a polícia. Precisava ser assim, pois não distante dali havia o Morro da Lamparina, uma favela perigosa e não era raro haver tiroteios por lá. No fim da tarde os garotos terminaram a tarefa, Tenente Pereira passou rapidamente de carro e advertiu:

_ Espero que tenham aprendido a lição! Agora vão todos para suas casas! Pobre será o infeliz que eu pegar na rua quando eu passar por aqui outra vez, vocês entenderam?
Assim que o carro patrulha arrancou e deu seta para a direita, Asmodeus correu para o meio da rua e fez um gesto obsceno.

_ Aqui pra vocês, seus babacas! Acham que estão com tudo é? Deixe estar, deixe estar!

_ Larga de ser otário, Mané! Eles nem viram o que fez para sua sorte! - resmungou Izac.

_ Háhahaha! – riu ele – Esse lugar fede! Já me encheu. Estou indo embora dessa cidade!

_ Vai de quê, ô bocó? Montado na tua cadela de estimação? Deixa de ser burro, Asmodeus!

_ Você é que não sabe de nada, Zac. Algumas vezes um homem precisa evoluir, entende? – disse pegando do bolso um cigarro de maconha. – Aceita?

_ Sai fora! Minha mãe me encheu de porrada por causa de um cigarro, se eu chegar em casa cheirando isso aí vai ter funeral e o difundo vai ser eu!

_ Você precisa ser independente, fazer o que quiser! Por isso é que vou embora. - em seguida olhou para o garoto em silêncio por um tempo e depois perguntou. – Zac, eu preciso de uma ajuda sua cara, coisa de irmão. É meu passaporte para cair fora daqui, quebra essa pra mim?

_ Te ajudar a fugir de casa?

_ Só preciso que você faça uma entrega que combinei lá no Lamparina. Depois é só trazer a grana. A grana é a até boa pra ti se quebrar meu galho.

_ Cê tá louco, cara? No Lamparina os caras te metralham, tacam fogo e mandam o corpo da vítima pra casa dele em pedaços pra ser enterrado. Quem vai querer ir num inferno daqueles?

_ É só uma entrega, cara. Quebra essa, somos amigos há muito tempo, né? É só você seguir minhas instruções que vai ficar tudo bem, é sério. Eu não iria te colocar numa roubada, né?

Como todo garoto, Izac tinha curiosidade sobre os boatos do morro, a emoção de fazer algo perigoso e desconhecido sempre lhe causavam fascínio. Uma hora depois, já no começo da noite ele estava no bar da entrada do morro, procurou o dono como Asmodeus havia instruído e foi levado por ele até o interior da favela. Lá, em uma casa bem construída, encontrou-se com Queixada, líder de uma facção criminosa e entregou a encomenda. Queixada era magro, jovem, cabelo crespo, moreno claro e seu olhar era estranhamente parado. Ele o tratou bem, tomaram refrigerante, falaram de futebol e na despedida, Queixada perguntou:

_ Asmodeus nunca teve problema em vir, não entendi por que ele mandou você.

_ Parece que ele quer ir embora da cidade e precisa de dinheiro, ele é meu amigo, né? Tenho que ajudar ele.

_ Sei, você é um bom rapaz. – olhou enigmático. – Você é um bom amigo, mas tenho a impressão que você não vai ver o Asmodeus nunca mais.

_ Ele é meu amigo, ele deve me escrever, não acha? – arregalou os olhos Izac.

_ Quando as pessoas vão para lugares distantes ela não deixa recados, garoto. Vá em paz! Se algum dia tiver interessado em fazer as entregas para mim me avise, você é fiel aos amigos, acho isso bacana.

Izac sorriu e retornou para casa.


Dia seguinte à noite. Dona Maria fazia a janta quando o marido, senhor Marcos chegou. Como fazia todas as noites ele beijou a esposa e seus três filhos: Davi, Judite e Izac. Como faziam todas as noites os cinco sentavam a mesa oravam e jantavam juntos. Como não acontecia em nenhuma noite a campainha tocou e dois oficiais de justiça entraram na casa.

_ Desculpe incomodar, senhor Marcos Valgas. Através de um pedido do Juizado da Infância e da Adolescência nós viemos conversar com o seu filho, o Izac Valgas.

_ Como assim, o que houve com ele?

_ Somos do departamento de inteligência da Polícia Federal e há alguns meses estamos reunindo provas contra um traficante do morro da Lamparina conhecido como Queixada. Ontem à noite o seu filho foi fotografado levando um pacote para a favela e depois saindo de lá após conversar com ele.

O pai do jovem ficou em choque, não podia acreditar no que houve.

_ Todos os suspeitos foram presos. Falta apenas este que é menor de idade.

_ Filho! – olhou o pai para o garoto com os olhos cheios de lágrimas – Por que se meteu em algo assim? Por acaso existe algo de que falta nessa casa?

Izac congelou. Estava pálido como cera. Em momento algum havia se preocupado em saber que o pacote que estava levando era de drogas. Talvez, no fundo até soubesse, só que nunca quis confirmar isso.

_ Mas o Asmodeus me falou...

_ Asmodeus, sempre o Asmodeus! – esbravejou o velho – Quantas vezes eu já te disse que o cara não prestava! O maldito é um ladrãozinho desde criança! Veja o esforço que o pai daquele rapaz faz na venda e como ele retribue! Todas as pessoas que estendem a mão para ajudar aquele infeliz ele maltrata! Só você que não acordou! E agora?

_ M-mas pai... Eu não sabia, eu juro! – chorava o menino – Não sabia o que tinha no pacote!

Durante minutos o silêncio foi constrangedor.

_ Pai, eu prometo que isso não vai mais acontecer!

_ Não é esta a questão! Você estragou sua vida aos treze anos! – esbravejou o pai.

_ Escute senhor Valgas. – interrompeu o oficial de justiça – Estamos com um projeto de reeducação. É um projeto pioneiro para garotos com problemas assim como o seu filho. Ele irá para uma colônia onde será reeducado e bem tratado, será uma viagem longa e o tempo de internação será equivalente ao da complementação dos estudos. O que o senhor acha?

_ Como assim?

_ O que o senhor disse é a verdade, o nome dele ficará sujo para sempre! Terá dificuldades para encontrar trabalho e poderá se tornar um marginal. Se ele participar deste projeto ele não irá a julgamento, sendo assim não haverá sentença e o nome dele permanecerá limpo diante da lei. Será como se nada disso tivesse acontecido.

Senhor Valgas analisou o contrato, viu que os oficiais de justiça falavam sério. Ele era um simples encarregado de uma empreiteira, trabalhava duro. Confiando na promessa de ajuda para o filho acabou assinou os papéis. Ele voltou-se então para Izac e disse:

_ Agora terá que sair por aquela porta com estes oficiais de justiça e não vai voltar aqui até pagar pelos seus crimes como um homem! Até lá, não quero te ver nunca mais! Ou vira um homem responsável ou é melhor que nunca volte a por os pés nessa casa, entendeu?

A mãe desatou a chorar, queria abraçar o filho, mas o pai a segurou. Era uma família espartana, a palavra do pai era lei e Izac aceitou seu castigo resignado. Apesar de seu coração doer pelo que aconteceu, sabia que o pai estava sendo justo, como foi justo com ele durante toda a vida. Despediu-se de cada um dos irmãos, beijou sua mãe que entregou a ele um pequeno crucifixo que pertencia a ela, então ficou frente a frente com o pai, sem dirigir-lhe os olhos.

_ Amo você, meu pai!

Assim ficaram em silêncio, um na frente do outro. Por fim o pai disse:

_ Se corrige que vou estar te esperando com sua mãe. Agora vai moleque, e que Deus vá contigo!

Nem mais uma palavra, nem um gesto. Izac olhou para o pai e viu que os olhos dele estavam úmidos. Aquele olhar marcou o garoto para sempre:

“Pai, vou ser punido pelo crime que cometi. Prometo que vou voltar como um homem para essa casa, e que terá muito orgulho de mim!”


Uma hora depois, Izac estava em um local isolado ao lado dos dois agentes. Um ônibus de modelo antigo estacionou e uma fila com outras quarenta e cinco pessoas de diferentes idades e sexos se formou. Izac estranhou afinal se era uma colônia de recuperação deveria haver divisão por idade e por sexo. Por que aquilo era um transporte coletivo?... Entre as pessoas estava Asmodeus e Queixada. Izac apenas olhou para ele e seguiu direto. Estava muito decepcionado consigo mesmo pelo de ter se deixado influenciar pelo seu “melhor amigo”. Quando entrou no ônibus ele se sentou ao lado de um velho senhor chamado Osvaldo Malaquias. Izac estranhou:

_ O senhor cometeu algum crime? – perguntou o jovem.

_ Não, eu sou um pedreiro, e dos bons, meu filho!

_ Pedreiro? Mas o que o senhor está fazendo aqui?

_ Eu estou indo para um emprego que consegui em uma colônia.

_ Eu também! – completou o outro - eu sou carpinteiro!

_ Ué? A fábrica de roupas ainda não está pronta? – disse uma jovem.

_ Que fábrica de roupas? É uma colônia penal, eu fui preso! – protesta Izac.

_ Como assim colônia penal? – Disse um homem de barba vermelha – Não é esse o ônibus que vai levar as pessoas da pós-graduação de medicina para o congresso internacional de graça?

Aproveitando a confusão, Queixada cai sobre Asmodeus e os dois começam a brigar. Asmodeus tentando se defender e Queixada dando-lhe murros e pontapés.

_ Seu desgraçado! Cagüeteiro! Você me ferrou com a polícia, não foi? Dedo duro filho de uma...

As pessoas do ônibus começaram a se exaltar, no mesmo instante que a briga ficou generalizada um cheiro forte foi sentido por todos. Alguns batiam nas janelas que não podiam ser abertas e todos começaram a dormir. Izac lutou a todo custo para não fechar os olhos, ele teve o que parecia ser alucinações, viu estrelas, o escuro, e sentiu um frio intenso como se fosse o mais rigoroso dos invernos. Em um momento abriu os olhos e pensou que estava em um sonho, pois viu o que parecia ser um planeta azul turquesa muito grande rodeado de anéis dourados, mas logo caiu embriagado novamente até que seus olhos se abriram num susto.

_ Acordem, seus preguiçosos!

Um homem muito alto com mais de dois metros de altura, pele e olhos estranhamente amarelos e usando uma armadura vermelha e azul escuro começou a acordar a todos com seu porrete. As pessoas que não abriam os olhos instantaneamente levavam na cabeça, elas saíram xingando do ônibus e ficaram perfilados para a revista.

O primeiro que saltou do ônibus, no salto, quebrou o pé e foi logo arrastado por outros guardas de pele amarelada que reclamaram em um idioma desconhecido. Os outros que saiam do ônibus sentiam o corpo pesado e mal conseguiam andar. Izac desceu com cuidado do ônibus, sentiu tonteira e começou a vomitar. Não foi o único, outros também passavam mal.

_ Acostumem-se logo ou não viverão neste lugar por nem uma semana! Tirem suas roupas e vistam isso!

Todos foram obrigados a se despirem ali mesmo e a colocarem um uniforme marrom feito com um pano duro e desconfortável.

_ Isso aqui é o inferno, vocês todos são condenados! Não adianta clamarem por justiça, pois aqui não tem justiça. Não adianta querer telefonar para a família ou querer mandar cartas, pois aqui vocês estão isolados do mundo que conhecem. Aliás, aqui nem é o mundo que conhecem!

E apontou para cima.

Todos se assustaram com o que viram e num sonoro “Ohhhhh!” enxergaram no céu três luas. Uma branca, uma azul e outra laranja além de um grande arco de anéis dourados que cortavam o firmamento de uma ponta a outra do horizonte. Quando olharam em volta estavam em uma construção de ferro avermelhado com torres pontiagudas e longas. O local era cercado por um muro de quarenta metros totalmente liso, no meio do lugar havia um tanque de água e a esquerda uma grande rocha com túneis onde as pessoas trabalhavam como escravos.

_ Este é o Forte Prisão Número Quatro. Sejam mal-vindos ao mundo de Opus Callibalion II! – os soldados que acompanharam riram falando entre si em um idioma estranho. – Vamos, ao trabalho!

... Continua!





Próximo Domingo, a continuação da história!
Izolda - Episódio 2: O Prisioneiro de Vedha.
Boa semana!

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